Sim. Todo mundo afunda.
No meio da rua, em casa, no palco. Sentado à mesa de reunião, em pé de frente à plateia, sozinho no quarto. Todo mundo afunda, desliza, pisa na bola, perde o fio da meada. Todo mundo falha. Nem sempre vai dar certo. Assim é… e tudo bem.
Foi ao redor disso que a minha cabeça ficou girando após assistir a um dos episódios da primeira temporada de The Marvelous Mrs. Maisel, série que demorei a começar a ver, mas estou amando. É um dos meus momentos favoritos do dia, quando paro pra assistir.
No quinto episódio, a protagonista Midge, como os mais próximos a chamam, acaba fracassando em uma de suas apresentações de comédia stand-up. Por mais que ela se esforce nas tentativas de piada, quase ninguém ri. Sabe aquele constrangimento geral, vergonha alheia? Péssimo, né.
Mrs. Maisel sai do palco arrasada e tenta colocar a culpa do fracasso no público. Ao conversar com sua agente, Susie, recebe de volta não o que gostaria de ouvir, mas a simples constatação de que foi ela quem afundou, falhou… e tudo bem. Susie normaliza: todo mundo afunda; os grandes artistas já afundaram um dia também.
Uau! Uma cena. E eu fiquei pensando em nós que fazemos algum tipo de trabalho criativo. Talvez você já tenha afundado em um texto que escreveu e quase não houve leitura, na postagem que ninguém interagiu, no projeto que você gastou horas pra fazer, e ninguém nem aí.
Cantores famosos já lançaram músicas que não fizeram sucesso algum. Escritores publicaram livros que caíram no limbo ou foram execrados. Atores encenaram e diretores dirigiram filmes e peças que se revelaram um fiasco. Há sempre muito mais trabalhos criativos que não deram em nada do que os que “chegaram lá”.
Não, não dá pra ser um sucesso sempre. Por que, então, a gente ainda se cobra tanto? Por que espera sempre agradar? Por que temos essa mania de achar que a última bolacha do pacote pode ser a nossa, quando nem sequer somos os donos do lanche? Todo mundo afunda. Em algum momento. De algum jeito.
O que fazer, então? Na série, Susie dá uma aula em poucas palavras, quando diz: autenticidade funciona até não funcionar mais; você precisa se preparar. Ou seja, muito bom (e válido) esse papo de ser espontâneo e autêntico, mas só isso não basta. Se você quer fazer uma coisa bem feita, se prepare da melhor forma.
Quer escrever bem? Escreva como for possível, agora. Leia, estude, se aprofunde, pratique. Deslize, continue e não pare. É assim com qualquer outra habilidade na qual você deseje se desenvolver. Mas igualmente muito importante: se aproxime de quem faz, busque alguém que saiba mais do que você e aprenda com essa pessoa. Invista.
Ainda assim, pode ser que você afunde. Mas não se preocupe… De repente, você submerge lá do fundo e continua nadando outra vez.
Se você ainda não viu, mas busca uma série leve, muito bem produzida e interpretada, dirigida com primor, e, além de tudo, com uma trilha sonora maravilhosa… corre no Prime Vídeo. Para ouvir a trilha, descobri a playlist completa aqui.
O INFINITO EM UM JUNCO
Pra quem ama livros, histórias e a própria história da humanidade, esta obra é imperdível. Não é à toa que se tornou um fenômeno editorial. A espanhola Irene Vallejo escreve com desenvoltura e leveza sobre a invenção dos livros no mundo antigo. E, além de tudo, ainda dá uma ‘aula’ de escrita de não-ficção… de como um texto permeado de informações, pesquisa e resgate histórico pode ser tão cheio de literatura.
Em alguns capítulos, me senti lendo um romance, um conto. Às vezes era a crônica que transparecia, outras, o ensaio. Seja como for, Irene nos mostra como é possível escrever um texto simples, elegante, literariamente rico e atrativo. É aquele livro que dá vontade de continuar lendo, mergulhar mais fundo e sentir na pele o correr da narrativa.
A seguir, um trecho que eu amo, de tão poético que é:
Nossa pele é uma grande página em branco; o corpo, um livro. O tempo vai escrevendo pouco a pouco sua história no rosto, nos braços, no ventre, no sexo, nas pernas. Assim que chegamos ao mundo, imprimem um grande “O” em nossa barriga, o umbigo. Depois, outras letras vão aparecendo lentamente. As linhas da mão. As sardas, como pontos finais. Os traços que os médicos deixam quando abrem a carne e depois costuram. Com o passar dos anos, as cicatrizes, as rugas, as manchas e as ramificações das varizes desenham as sílabas que narram uma vida.
Adoro também o capítulo 41, em que ela escreve sobre a origem do alfabeto grego como se fosse um conto, despertando os nossos sentidos para remontar a história em nossa imaginação. Recomendo muito. Simplesmente brilhante!
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Grata por ler até aqui. Até a próxima Trilha!
Luisa Sá Lasserre
Já quero ver a série!
Adorei o texto! Um olhar humano para nossa condição, afundar, levantar, aprender e seguir em frente!