Estreou por aqui sem grandes alardes, nem passou pelos cinemas e foi direto pro Prime. Ficção Americana não foi considerado um grande filme, mas levou o Oscar de melhor roteiro adaptado. Ocupou a TV da minha sala poucos dias antes da premiação, e acabou se revelando uma grata surpresa desde a premissa à execução. Não é incrível, mas agrada.
O caso é o seguinte: Monk é um escritor negro cujos livros são considerados intelectuais demais e, por isso mesmo, não vendem. Seu novo original acaba sendo rejeitado por diversas editoras, enquanto ele vê uma estreante fazer sucesso com um enredo estereotipado da cultura afro-americana. Em paralelo aos conflitos familiares que está vivendo, Monk decide escrever um livro cheio de clichês, uma espécie de sátira.
Escondido sob um pseudônimo, carrega de rótulos clichês o falso autor. E, para seu espanto, a obra conquista o mercado editorial, sendo considerada uma verdadeira literatura de autoria negra (claro, nada de intelectual ou culta, mas aquela que ecoa ‘a voz das ruas’). De repente, tudo o que ele mais queria, o sucesso literário, se torna possível graças ao que ele mais rejeitava.
Pois bem, não me interessa tanto discutir o filme em si. Fiquei pensando mesmo foi na literatura contemporânea. É que já tive essa sensação, e pode ser que você também, de que livro incensado no mercado tem de levantar bandeiras, ter a tal representatividade, ser um “autêntico” fruto das questões do nosso tempo. E quem define o que é autêntico, afinal?
Claro que não dá pra generalizar. E, veja bem, não estou querendo defender uma literatura alheia ao mundo em que vivemos. O que defendo é a literatura. Não aquela costurada com palavras pra dizer exatamente o que um determinado grupo quer ouvir, mas aquela que diz o que a história pede. Não aquela com um personagem enfiado numa esquina do enredo pra cumprir tabela, mas porque sua presença é necessária para o que está sendo contado ali.
Já devíamos saber que nem sempre o que está em alta nos holofotes é o que tem de mais belo, original, criativo. Seja na literatura ou no cinema - na música, nem se fala. Pode ser só um amontoado de palavras e imagens, sim. Em contrapartida, deve haver pérolas escondidas por aí sem ninguém reparar.
Para mim, a melhor literatura não é aquela com cenas de portas escancaradas pra chocar, mas com cenas que deixam só a fresta aberta para a nossa imaginação trabalhar. Desculpem-me os que dizem que bons livros precisam gerar incômodo, provocar o leitor. Pois eu prefiro mudar o verbo, e penso na literatura que é capaz de inspirar. É essa que mais me toca.
Pegue um clássico como Jane Eyre, da Charlotte Brontë, de exemplo. Você pode falar em protagonismo feminino e críticas sociais, mas não encontrará essas palavras em nenhuma das páginas. Não achará cenas construídas com a mera função de representar qualquer coisa. Em vez disso, o que tem é uma história muito rica e bem contada, em que todos os elementos estão ali servindo à narrativa. Uma história que inspira.
A crítica levantada por Ficção Americana vem em boa hora. Qual é a literatura que queremos? Original ou mais do mesmo? Feita para levantar aplausos dos que apreciam a leitura de “realidades nuas e cruas” do conforto de suas poltronas? Ou apenas a que toca mais fundo, movimenta a imaginação e nos leva a passeio por outras paragens?
Obrigada por me acompanhar na trilha de hoje. Sempre bom poder contar com a sua companhia. E vou adorar saber o que você também pensa sobre o assunto!
Nos vemos em breve… até a próxima edição!
Luisa Sá Lasserre
…devíamos saber que nem sempre o que está em alta nos holofotes é o que tem de mais belo, original, criativo.
Gostei muito do texto !
Belíssimo texto, penso na literatura como nossa forma de enxergar a vida ao nosso redor. Se vai ser mais do mesmo? Pode ser que ainda não aprendemos a ver além das aparências. Ainda não pude assistir ao filme, mas já está na minha lista pro fim de semana.